Crónica de Alexandre Honrado | Conservador Ou Progressista Na Quadra Do Consumo?

Alexandre Honrado

Crónica de Alexandre Honrado

Conservador Ou Progressista Na Quadra Do Consumo?

 

Tive familiares que trabalharam na indústria conserveira, numa época em que conservar, muito especialmente alimentos, fazia todo o sentido. Tão distante que o mundo estava do excedente, da soberba do consumo, da imbecilidade do açambarcamento inútil! É curioso lembrar que, apesar das conservas, nenhum deles, entre os meus ancestrais, ao que parece, era conservador. O conservador é aquele medroso que nega o progresso e os progressistas, com medo de perder a sua vida, acinzentada e sem desafios, por troca de outra colorida e marcada pela aventura de ousar coisa melhor. Essa minha gente era atrevida, empreendedora, criativa. E saía das suas conservas para ambicionar mais e melhor.

Bem sei que o velho escritor Chesterton, G. K. Chesterton que foi de tudo um pouco, de teólogo a criador do famoso personagem de romance policial, o sacerdote detetive Padre Brown, pensava de outra forma, mas se tivermos em atenção que era um inglês assustado pelas guerras e libertado pelos seus ensaios de enorme qualidade, podemos perdoar-lhe, sem remorsos.

Chesterton escreveu que “o mundo está dividido entre conservadores e progressistas. O negócio dos progressistas é o de cometer erros; o negócio dos conservadores, é o de evitar que os erros sejam corrigidos”. Prefiro acreditar noutras utopias, mas não deixo de refletir em quadra natalícia na guerra surda entre conservadores e progressistas, pelo menos os que observo de perto. Alguns tiram festões e bolas de vidro de caixas de madeira cheias de palha, recordações de família que sobreviveram ao desgaste do tempo, com elas enfeitam a velha árvore que morreu no sótão e que ressuscita agora para grinaldas de luz e olhos mais ou menos apreciadores. Outros, correm às lojas para comprarem uma árvore moderníssima, com laços gigantes, meia bola colorida, uma estrela de luz intermitente, e fazem a um canto da sala uma obra estática pós-moderna que desafia as leis da evocação memorial de outros dias (comem coisas de cozinha de fusão e abominam conservas, naturalmente).

Os restantes não fazem nada, por gosto, falta de gosto, por impossibilidade, conservando-se nos seus cantos de amargura e cicatrizes.

À mesa da consoada prefiro então uma lata de alimentos em conserva (no lugar do bacalhau?) para prestar honras aos antepassados. Junto-lhe num recanto uma árvore intensa e repetida, coberta pela ousadia de enfeites que não lembram a nenhum crente.

Viver é uma atividade terapêutica, penso.

Vejo passar lá em baixo, na rua, conservadores e progressistas, esquecidos que juntos são, apenas, uma distopia amarga.

Leio Chesterton.

Não me conservo ao som do Last Christmas, ou do Santa’s Coming for Us.

Largo isto e vou dar uma volta.

 

Alexandre Honrado

 


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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